O EC: Saúde Mental e Psiquiatria
No âmbito do ensino clínico de saúde mental e psiquiatria, integrado no 4º ano do CLE, a decorrer no serviço do internamento C3 do hospital Magalhães Lemos, sob orientação da professora Regina Pires, foi-me proposta a elaboração de uma reflexão crítico-reflexiva sobre o ensino clínico visando a apreciação do meu desempenho em todo o período de estágio.
A área da saúde mental e psiquiatria nunca me suscitou grande interesse e por isso nunca criei expetativas sobre o assunto, para mim era apenas uma área pela qual eu teria de passar. O período de estágio começou a 17 de Novembro, dia em que foi feita a nossa integração ao HML e dia em que fomos conhecer o serviço onde iriamos realizar o estágio.
Quando entrei no serviço pela primeira vez, fiquei muito admirada pela negativa. Era tudo demasiado branco, vazio e triste. Os doentes deambulavam, aqueles que conseguiam, pelo corredor tristes e com o olhar vago, outros estavam na sala de convívio cujo único entretimento que tinha era uma pequena televisão. Cada porta que se abria voltava a trancar-se logo de seguida. Havia regras para tudo. Eu sabia à partida que não ia encontrar doentes em pijama confinados à sua cama, mas sim doentes com roupa normal que deambulavam pelo serviço e com os quais eu teria de interagir de forma diferente, mas daí a encontrar doentes que têm de pedir autorização para tudo, que estão sempre a ser filmados, que vêm a sua privacidade invadida durante todo o dia, foi algo que me deixou profundamente triste mesmo sabendo que alguns destes procedimentos podem ser para o seu bem. Confesso que perguntei a mim própria como é que era suposto alguém melhorar da sua condição mental num ambiente daqueles? Se fosse eu a ter de viver assim dava em maluca rapidamente.
Os restantes dias da semana foram preenchidos com aulas de conteúdo teórico, pois todo o percurso feito nos anos anteriores do curso não nos deixa minimamente preparados para intervir na área da saúde mental. Estas aulas foram vantajosas para nos dar os conhecimentos básicos sobre as patologias mentais e psiquiátricas e os respetivos tratamentos, no entanto, a meu ver precisávamos de mais. Contudo, as aulas fizeram-me sentir mais preparada para iniciar este ensino clínico.
As semanas que se seguirão serviram para nos adaptarmos ao serviço, diferente em tudo daquilo que estávamos habituados. No inicio senti-me completamente perdida. Não conseguia perceber bem a rotina, o que era suposto fazer, isto porque vinha num ritmo mais acelerado em que tinha sempre intervenções mais práticas, de um foro mais técnico, para executar e aqui a maioria das intervenções tinham de ser com recurso a comunicação terapêutica e a outros métodos. Foi necessário desenvolver estratégias comunicativas adequadas ao tipo de população-alvo que tinha pela frente, um dos meus objetivos pessoais que considero ter alcançado.
É com base na comunicação que se consegue estabelecer uma relação terapêutica, que neste contexto se vê como algo crucial para atingir resultados positivos no tratamento de pessoas com patologia do foro mental ou psiquiátrico. Sempre me considerei uma pessoa bastante comunicativa o que conjuntamente com a minha atividade profissional me conferiu alguma segurança na hora da comunicação. Apesar disso, senti a necessidade de fazer adaptações na minha linguagem verbal e não verbal para conseguir não só estabelecer uma relação terapêutica mas, também, transmitir a mensagem pretendida de forma clara e coerente, sem dar hipótese para más interpretações. Este tipo de doentes tendem a reparar em todos os aspetos que lhe possam vir a ser uteis para a manipulação dos profissionais de saúde ou dos próprios pares, com o fim de atingir benefícios próprios, sendo assim algo extremamente importante a ter em conta.
A par da comunicação terapêutica surge outra área de grande relevância neste ensino clínico – a gestão de emoções. A maioria dos doentes internados neste serviço apresentam histórias de vida sofridas, com eventos por vezes traumáticos. Muitos deles não apresentam uma retaguarda familiar sólida o que contribui para o agravamento do seu estado de saúde e prolongamento do internamento. Neste aspeto não se trata só de gerir as emoções do doente com vista ao fim terapêutico, mas também as nossas enquanto profissionais de forma a não sermos afetados por elas. Desta forma, o estágio podia não me deixar cansada em termos físicos mas por vezes deixava e muito em termos psicológicos.
Outro aspeto relevante reporta-se às atividades terapêuticas realizadas por mim e pelas minhas colegas. Desde o inicio que a enfermeira chefe sempre deu a entender o desejo de serem realizadas atividades todos ou quase todos os dias. Devido a toda a preparação que uma atividade exige, quer em termos de tempo para fazer o planeamento quer em termos de aprovamento por parte da escola, é lógico que não conseguimos faze-lo. Às vezes a ideia que era percebida por mim é que a enfermeira chefe queria que fizéssemos atividades mais para entreter os doentes do que propriamente com um fim terapêutico. Para mim e para as minhas colegas isso nunca fez sentido. Uma atividade terapêutica deve ser realizada de forma adequada à população alvo e deve ter como fim suprir as necessidades do doente e ao mesmo tempo estimular várias dimensões da pessoa como a cognição, perceção, psicomotora, memória, etc.. Para colmatar este pedido cada grupo encontrou e planeou uma atividade que pudesse ser reproduzida todas as semanas e assim conseguimos suprir esta necessidade/desejo.
As cinco atividades alusivas ao natal não foram reproduzidas todas as semanas. Estas foram planeadas e realizadas por todas as estudantes do serviço. Por outro lado, a realização em conjunto mostrou um grupo unido, desde o inicio até ao fim, e com uma grande capacidade de trabalhar em equipa. Confesso que nunca tinha tido um grupo de estagio tão unido como este e tenho a certeza que este fator contribui positivamente para o sucesso de todas nós.
Ainda sobre a realização das atividades terapêuticas, confesso que muitas vezes me sentia revoltada. Se de um lado a enfermeira chefe dava a demonstrar o desejo de ter muitas atividades, por outro colocava entraves à sua realização. Quando não colocava entraves, alterava a forma como a atividade iria ser realizada o que afetava não só o desenrolar da atividade mas também os resultados que eram pretendidos com a mesma. No que toca aos recursos para a realização das atividades terapêuticas, nunca tivemos problemas pois desde o inicio tivemos o cuidado de planear as atividades terapêuticas tendo em conta os materiais disponibilizados pelo serviço. Apesar das dificuldades anteriormente mencionadas, considero que sempre conseguimos alcançar os objetivos recorrendo a nossa capacidade criativa e de improviso.
Estagiar num serviço de psiquiatria não é fácil. Exige um conjunto de competências comunicacionais, relacionais, emocionais e técnicas, passiveis de ser adquiridas. Considero ter adquirido todas estas competências, mas estou ciente de que as adquiri num nível mais básico, que considero ser suficiente para um enfermeiro generalista no entanto, apesar de me permitirem trabalhar em psiquiatria precisam de ser limadas, algo que só a experiência irá permitir que aconteça. A saúde mental e psiquiatria é uma área em que eu não me vejo a trabalhar apesar de ter sido uma experiência positiva e enriquecedora, tando a nível profissional como pessoal.
Relativamente ao serviço em si, a confusão que me causou no inicio foi algo que se manteve em todo o estágio. Confesso que por vezes olhava a minha volta e não me via num hospital mas sim numa espécie de “prisão psiquiátrica”. Faz-me imensa confusão que um serviço que comporta 28 doentes conte apenas com três enfermeiros de manha, dois à tarde e apenas um à noite. Não é de admirar que com tao poucos recursos humanos, os enfermeiros não tenham tempo para realizar atividades terapêuticas com os doentes, deixando estas intervenções ao nosso cargo. Além dos recursos humanos, também a escassez de recursos materiais faz com que os cuidados prestados nem sempre sejam os melhores.
Embora sejam poucos é de louvar o esforço da equipa de enfermagem que sempre fez tudo o que pode para nos integrar, orientar e ensinar. Quando falo em equipa de enfermagem, refiro-me aos enfermeiros do serviço e não aos tutores. O contacto que eu e todo o grupo teve com os enfermeiros tutores foi muito pouco visto que uma das enfermeiras esteve quase sempre de férias e outra faz maioritariamente noites e fins-de-semana. Apenas uma das três enfermeiras tutoras esteve presente todos os dias, contudo só fazia o turno da manha. Relativamente aos enfermeiros com quem tivemos o privilégio de trabalhar, apesar de estarem sobrecarregados sempre se mostraram disponíveis, recetivos e empenhados na nossa aprendizagem fazendo tudo o que podiam para que nós, enquanto estudantes, atingíssemos os objetivos esperados.
Em jeito de conclusão, termino este estágio consciente de que a aprendizagem é algo contínuo que deve ser trabalhado ao longo de toda a vida, por forma a desenvolver e a atualizar o conhecimento e habilidades com vista à prestação de cuidados de saúde adequados, diferenciados e de qualidade.